do ficar: acampamento

Do ver: acampamento. 

Este projecto fotográfico pretende desenhar-se sobre camadas de um real imaginado, descrito e inscrito nestas fotografias. O seu início surge pela vontade de querer conhecer e documentar um determinado lugar. Situado em Darque, este acampamento cigano é a origem de todo o processo de trabalho, da linha que conduz o livro e que nos faz atravessar as vidas destas pessoas. 

Fascinava-me a dúvida: o que estaria por detrás daqueles muros (quase ausentes em forma)? Existia também a vontade de conhecer novos quotidianos e de os ver acontecer. Foi assim que conheci o Daniel. 

Fotografar: gesto que me leva a traduzir aquilo que vejo e sigo nestes dois anos de projecto – (a)condiciona num plano pessoal aquilo que identifico perante um vazio consciente, um desmentir de uma verdade que desconhecia ou desconheço. Paradoxos, metáforas e realidades. Interessava-me, a partir do primeiro momento de contacto, conhecer a comunidade e levar o meu real para dentro dos carreiros e das árvores que acolhem estes corpos. 

Quem são? 

Ficaram, decidiram viver neste lugar. Por agora… 

Acampamento: nome que se dá a um lugar como este e que contém um conjunto diverso de habitações, construídas pela própria mão de quem lá vive. Um jogo de formas e de arruamentos decididos pelo encaixe democrático de espaços experimentados, escolhidos para o ficar. Destaca-se a multiplicidade das construções, mas também das famílias que aqui vivem, dotadas de uma autónoma e complexa destreza social. 

No primeiro dia que visitei o acampamento, descubro que a minha forma de documentar teria de se reconstruir, de se demarcar do inúmero e fácil conjunto de imagens que descortinam sem descrever, sem complementar a verdade emotiva de quem aqui vive. Existe muito a dizer, mas é sempre fácil dizer mais do que aquilo que se pensa ou se descobre. Podemos falar de uma pós-ficção da realidade, mas também da relação e interpolação necessária com a sociedade quando a vivemos como parte de um acto fotográfico. Interessa-me, dentro deste pensamento, revelar a pós-narrativa, deixar em aberto o quotidiano, apresentar um desenho focado que mostre o encontro entre o recolector e quem se deixa representar. Desta forma, sem transtornar o que de mais belo tem o acto de ficcionar uma construção visual, destaco o contacto imersivo, próximo e formalizado através do método fotográfico, do meio. 

Hoje, depois de longas viagens pelas vidas dos outros, depois de um acolhimento verdadeiro e amplo, deixo, no meu trabalho com esta comunidade, um traço de uma realidade que se constrói dia-a-dia. Do ficar, do fazer e do atravessar: do fotógrafo que se deixa expor pelo reflexo e pela vivência de quem se deixa representar.